A ditadura da aparência é um assunto muito abordado hoje em dia. Ouvimos reclamações constantes sobre mulheres que têm que lidar com padrões de beleza desumanos, que se sentem desconfortáveis por que as modelos são muito magras, etc. Analisando tais afirmações, cheguei a conclusão de que, ao menos no Brasil, existe sim uma ditadura da aparência. No entanto, essa ditadura atua de modo muito diferente do que possamos imaginar, e ela não é privilégio das mulheres insatisfeitas com seu peso, com a cor do cabelo e coisas do tipo. A verdadeira ditadura da aparência age na nossa esfera intelectual, reduz nossa capacidade de argumentação, honestidade e sabedoria, e nenhum de nós está imune a ela.
Para entender a dimensão da ditadura das aparências basta pensar em alguns exemplos cotidianos que você certamente já observou. Ela se manifesta no colega de trabalho que assume créditos por uma idéia que não teve, na jovem que faz um comentário polêmico para conseguir “likes” no facebook e no jovem que critica a polícia ou que reclama da desigualdade diretamente de seu macbook, no conforto de sua mansão. O que todas essas pessoas dos exemplos citados têm em comum? Elas estão mais preocupadas em parecer, do que em ser de fato. E no desespero de parecer, elas seguem qualquer tendência, falam qualquer coisa – por mais que não concordem. Com medo de parecerem imperfeitas ou assumirem seus erros, elas colocam a culpa dos seus erros e problemas no mundo todo. O que chamo aqui de ditadura das aparências poderia também ser chamada de ditadura da hipocrisia, da falsidade. Eu me pergunto: onde foi parar todo aquele sentido do ditado “cada um cuida do seu nariz”? Afinal, hoje em dia ninguém mais assume responsabilidade de cuidar de nada, a não ser que seja visando o exibicionismo e auto-promoção. Em suma, ninguém mais faz nada por e para si mesmo. Se não temos platéia, não temos nada.
ditadura da aparência
O objetivo de parecer sem ser consegue ser algo repleto de possibilidades infindáveis e ao mesmo tempo assustadoramente vazio. Isso acontece por que, como os objetivos são baseados em falsas idealizações e avanços inventados, eles nunca poderão ser alcançados. Não possuímos mais um patamar real no qual se basear, a não ser a aprovação dos outros. Esse desespero em aparentar ser nasce das inseguranças e baixa auto-estima. Não satisfeitos com o que somos, mas sem dedicação suficiente para de fato sermos melhores, nos contentamos com aparências vazias e inócuas. Ou, ainda, não felizes em apenas ser, forçamos qualidades de modo exagerado, nos expondo desnecessariamente. É quase como se a realidade do que somos só pudesse ser verdadeira após compartilhada exaustivamente.
Queremos o aplauso, a aceitação e a segurança proporcionada por terceiros para substituir nossos medos. Não basta ser, é preciso mostrar. E quando não somos, o falseamento satisfaz. As redes sociais são exemplos perfeitos disso. Não basta ir a algum lugar, é preciso dar “check in”, postar fotos da comida, do lugar, do banheiro. Não basta estar com alguém, é preciso de fotos, de postagens, de exposição de piadas que ninguém vai entender. Não basta ler o livro, é preciso postar o resumo no facebook – sem sequer ler o livro, de fato. Como consequência, o indivíduo concede a si mesmo o papel de baladeiro, de conhecedor da cidade, de cheio de amigos, de intelectual, de leitor dedicado… E com o rótulo auto-colocado, a pessoa tem que agir desesperadamente para confirmar aquilo a si mesmo.No entanto, já que o que tenta aparentar geralmente não é verdadeiro, ele não sabe ser natural. Essa pessoa vive uma farsa de imitações de cacoetes do que quer aparentar ser. E de tão ocupados em aparentar ser, nem percebemos que seria muito mais fácil ser, de fato.
E assim criamos uma sociedade hipócrita.
O discurso é pomposo, aparentemente somos todos bonitos, sociais, politizados e inteligentes. E paramos por aí, no “aparentemente”.
Além da hipocrisia, vivemos cada vez mais apressados. Ninguém mais tem tempo para conversas aprofundadas, afinal, quanto mais tempo passamos uns com os outros, maior a possibilidade de que nossa máscara caia e as verdades sejam reveladas. Tanto a possibilidade de hipocrisia quanto de perda de aproximações, por nossa constante pressa, deveriam inspirar mudança e melhora, mas em vez disso estão gerando efemeridade. Os relacionamentos são descartáveis: enquanto parecemos bons, ficamos próximos, mas quando surgem dificuldades, o afastamento é a saída imediata e mais comum.
Além disso, para manter as aparências, não nos responsabilizamos por praticamente nada, afinal, é feio dizer que erramos, que temos defeitos ou que falhamos. No final das contas, a ditadura da aparência é culpa de quem? Confortavelmente, colocamos a culpa sempre no outro. O problema é o ambiente, o Estado, o caminho, a chuva, o ar, o Fulano... Ou qualquer coisa que nos faça parecer pessoas melhores, ou, quem sabe, até mesmo vítimas – por que aí, com sorte, inspiramos alguém a fazer por nós algo que nos conceda benefícios fáceis.
Trabalhe por uma causa, não pelo aplauso. Viva para se expressar, não para impressionar. Não se desdobre para sua presença ser notada, apenas para que sua ausência seja sentida.
Obviamente precisamos ser mais transparentes, puros e reais, assumir o controle e nossas vidas deixando de lado a vontade de parecer e aparecer. Essa é a chave para quebrar a ditadura da aparência. Precisamos abraçar a possibilidade aprazível de ser e estar satisfeitos em ser para nós mesmos, humildemente. É apenas através dessa transparência que seremos capazes de alcançar a verdadeira honestidade intelectual. Não podemos mais deslocar o centro de nosso amor-próprio no outro, e nem esperar que o público preencha nosso vazio existencial. Nessa vida, não marca quem tem o melhor marketing pessoal, mas sim aqueles que possuem a sutileza de ser naturalmente. Trabalhando para realizar nossos sonhos e sermos quem sonhamos ser, tocaremos vidas e poderemos produzir mudanças reais, por que mudar o mundo só é possível se começarmos por nós mesmos.
Precisamos ser a mudança que queremos ver no mundo, mas sendo capazes de mudar sem a necessidade de aplauso ou aceitação externa.
Porque a vida não é um jogo e nem um investimento, o mundo não é obrigado a retribuir e nem nos aplaudir e nos aceitar. Não se põe aqui esperando retirar os lucros lá na frente. Precisamos cuidar de nós mesmos, de nosso “próprio nariz”. Afinal, fazer o bem esperando benefícios por aparentar ser algo bom, ou buscando alguma retribuição, não seria bondade, e sim egoísmo.
É claro que precisamos nos doar constantemente, nos dedicar a praticar as melhores qualidades sempre, mas não por querer algo em troca ou esperando retribuição alguma desse mundo, nem tentando aparentar algo que não é verdadeiro, pois nenhuma mentira é eternamente sustentável. Em suma, não sejamos a mudança que queremos ver no mundo, sejamos a mudança. Mas não esperando ver nada no mundo – ao menos não nesse mundo.
Por Bruna Luiza: é paranaense, tem 24 anos e é a autora do Garotas Direitas. Atualmente estuda Relações Internacionais. http://garotasdireitas.com.br/